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Mia Couto escreve sua autobiografia, em registro poético

Autobiografia

Onde eu nasci
há mais terra que céu.

Tanto leito é uma bênção
para mortos e sonhadores.

E de tão pouco ser o céu
nasce o sol
em gretas nos nossos pés
e os corações se apertam
quando remoinhos de poeira
se elevam nos telhados.

As mães
espanam o teto
e poeiras de astros
cobrem o soalho.

De tão raso o firmamento,
a chuva tropeça nas copas
enquanto nuvens
se engravidam de rios.

Com tanta escassez de céu
não há encosto
nem para a mais minguante lua
e os meninos,
na ponta dos dedos,
ascendem estrelas.

Pois,
nessa terra
que é tanta para tão pouco céu,
calhou-me a mim ser ave.

Pequenas que são,
as minhas asas parecem-me enormes.

Envergando,
escondo-as dos olhares vizinhos.

Nas minhas costas
pesam
versos e plumas.

Voarei,
um dia,
sem saber
se é de terra ou de céu
a pegada do voo que sonhei.

Mia Couto, em “Vagas e lumes”.

Lisboa: Editorial Caminho, 2014.

Mia Couto afirma que, em criança, imaginava que todo adulto fosse poeta

Em entrevista ao Fronteiras do Pensamento, Mia afirma que, em criança, imaginava que todo adulto fosse poeta.
Para Mia Couto, a sua ligação com a poesia é “algo orgânico” e que cresceu espelhando-se em seu pai, poeta Fernando Couto, a imaginar que a poesia fosse um caminho natural de todos os homens.